terça-feira, 14 de junho de 2011

A última manga do mundo



  O epetáculo é um experimento realizado colaborativamente à partir do conto "Morangos mofados" de Caio Fernando Abreu.
  O espaço cênico é um subsolo: meia luz, pista de dança, vinis, música dos anos 70, balcão de bebidas, atmosfera de submundo-inferninho, pessoas com roupas coloridas dançam. Um hare krishna-hippie-de-testa-pintada-dreads-nos-cabelos-vestido-e-salto-alto é dos poucos que não dança; vagueia observando tudo com incenso na mão. Alguém avisa que a cerveja custa dois reais e que é permitido cheirar e fumar. Outro alguém avisa que a festa é do Cris. Outro alguém passa e apresenta o dono da festa, o tal Cris, que presenteia o público com uma garrafa inteira de champanhe.
 Não sei nada sobre o espetáculo. Por acaso no dia anterior terminei de ler um livro de contos de um cara que gosto muito: Caio Fernando Abreu. Não demoro muito pra relacionar o que estou vivenciando com o universo do autor.
 A festa parece durar uns 40 min e é interrompida por um grito de Cris. Os outros atores vão socorrê-lo e param a festa. Talvez seja o começo de uma overdose, ou só uma crise existencial. Desligam a música. De repente todos eles estão deitados, jogados no sofá e no chão, como numa ressaca coletiva. Na cena seguinte nos sentamos de frente para um pequeno palco, onde três atrizes fazem um show de estriptse, enquanto atores nus na platéia simulam masturbação.
  Somos sutilmente conduzidos pelo espaço, acompanhando, vivenciando e percorrendo uma dramaturgia que não possui linearidade e é carregada de imagens poéticas, contruídas com a forte energia dos atores. Não existe drama, personagem. A própria palavra talvez pudesse ser abolida, mas funciona aqui e ali para nos "localizar", apresentar o contexto sócio-político que não está explícito, por exemplo. Mas sem dúvida, as imagens assumem força maior que a palavra. Assim como, para o grupo, as sensações causadas no público parecem interessar muito mais que a compreensão racional.

Terças e Quartas, no Teatro Coletivo


Rua Consolação, 1623 - Consolação
São Paulo, 01301-000
(0xx)11 3255-5922

Até 29/06
Mais informações: http://bandootextoperdeuse.blogspot.com/search/label/A%20%C3%9Altima%20Manga%20do%20Mundo

domingo, 12 de junho de 2011

Instrução para compor uma peça.



Sala de um apartamento no centro de são Paulo. Duas mulheres fazem ações cotidianas de forma não cotidiana. Chove. Um ator antes de entrar na casa situa o espectador no tempo e no espaço e fala dos planos de criar um manual de instruções para a vida.

O nome da peça sugere um exercício metalingüístico que, de certa forma, se concretiza seja na interpretação distanciada ou na narrativa quebrada que abre espaço para os atores se tratarem pelos seus nomes, e conversar com o publico ou quando o Willian Simplício se pergunta se é um bom ator. Ou quando a interpretação fica mais emocionada é geralmente num tom de deboche ou até quando os atores falam suas narrativas pessoais é nesse mesmo tom de deboche.

A peça tem uma estrutura simples, um prólogo e três atos. Narrativa linear mesmo com o distanciamento, a quebra da narrativa, o depoimento pessoal e o comentário irônico dos atores quando vão para um lugar mais emocionado e pessoal. Isso para falar da relação do individuo na esfera privada e na esfera pública de uma grande cidade. Mas sim, a tentativa de responder uma pergunta usando um manual de instrução para se viver.

Os dois primeiros atos o ator-narrador se Poe num lugar distanciado, por isso as quebras, os distanciamentos, os comentários e os depoimentos pessoais. No terceiro ato dedicado a morte acontece algo interessante. A impossibilidade de fornecer instruções pra morrer gera uma reflexão meio romântica da morte como um instante de revisão da sua vida e de possibilidade de fazer o que você realmente tem vontade de fazer, assim escapando das rotinas malucas e mecânicas das grandes cidades. Diante do problema de não conseguir falar sobre a morte de modo objetivo a ideia de um manual de instrução perde sua função. O tom distanciado, superior com momentos de quebras pra falar diretamente com o publico se perde e ai a peça se torna mais complexa e muito mais interessante.

E o final é aberto meio como uma critica a idéia pretensiosa ,de três jovens atores, de criar um manual de instrução pra se viver e morrer.

Ps: Mais informações sobre a peça você encontrará no blog do coletivo: http://coletivocronopio.blogspot.com/

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Pronto pra mudar


Teatro nunca termina quando acaba. O que acaba é o espetáculo o evento. Tem que fechar apagar a luz tem que ir pra casa e tal. Isso acaba, mas se terminar ai o efeito foi eventual. O que a gente busca não é o evento é a transformação social que a gente tem o dever de patrocinar. Teatro é movimento é praxistron não teatron não é lugar pra se ver é lugar pra se agir (...). Augusto Boal

Pronto pra mudar?

Há duas semanas, talvez mais. Com certeza mais de duas semanas separam o dia que assisti ao espetáculo até hoje quando decido registrar essa experiência.

O espetáculo é resultado de um esforço coletivo. Esforço coletivo que espelha um fazer teatral, Tanto na forma quanto no conteúdo. Um teatro que começa com um encontro e do encontro surge à vontade de investigar um tema que transborda numa investigação de interpretação e na criação dramatúrgica. E quando todo esse esforço coletivo na buscar por contar uma história resulta num amontoado de imagens e cenas desconexas a direção intervêm nesse material dando forma a esse discurso cênico.

Porém no momento em que o publico chega o processo acaba e o que se presentifica é uma troca com o espectador. O lugar do publico em pronto pra mudar é radical. Radical porque é esse lugar que o Boal fala, lugar onde a ação e a reflexão estão rigorosamente conectadas em um processo pra além do evento.

Havia uma mulher falando ao telefone. Na fila antes de entrar no teatro. Pouco tempo depois a mulher estava conversando com as pessoas na fila, falava do tempo, entregava cartões, anotava contato. Pela primeira vez naquela uma hora e meia de espetáculo a fronteira entre aquilo que convencionamos cena e aquilo que chamamos de real se perturbava. Quando o espetáculo começou eu estava diante de mais uma peça colaborativa-partindo-de-um-texto clássico.

Duas atrizes em cena revezavam a mesma personagem, manipulavam objetos, corpos em explosão de imagens. Eu pensava pecinha-colaborativa-partindo-de-um-texto- clássico até que de novo o limite entre cena e realidade é perturbado e dessa vez as coisas não voltam ao seu lugar. Um deslocamento é provocado, a atriz que conversou comigo na fila me convidou pra entrar no apartamento e me largou no palco. Ai não se estabelece só uma perturbação nos limites da cena as coisas se atravessam um apartamento habitado por uma mulher que cospe coelhos, uma corretora que quer alugar o apartamento e um público que até então estava no seu lugar protegido desloca para o palco e aos poucos vai virando personagem da loucura da mulher que cospe coelhinhos. Tudo aquilo se resignifica. Uma experiência potente e difícil de codificar se estabelece. Quando o espetáculo acaba algo pode ser reconhecido nas carinhas das pessoas que estavam no palco. Claro que o que aconteceu de um jeito diferente para cada pessoa, e em partes essa experiência pessoal pode ser comunicada e ate reconhecida no outro.

E uma pergunta fica ecoando: Quando você muda é pq tudo ao seu redor mudou e você teve que acompanhar essas mudanças? Ou você mudou e depois mudou tudo ao seu redor